Pena

O meu pai.
O meu herói.
Por pior que fosse, por pior que fizesse (e faz) foi (é) sempre o meu herói.

Retrógrado, fasciszóide, perfeccionista, exigente, machista, agressivo, brincalhão, conta piadas que não teem piada e ainda as explica. 

Relação extremamente tóxica com a minha mãe.

Sim, tudo isso e, ainda assim, herói.

Como assim?

Não sei.

Tenho pena do meu pai.

Desde que me lembro de ser gente que tenho pena dele.

E, que por causa dele, tinha pena de todos os homens.

Podiam ser umas bestas, agressivos, tóxicos, maus, doentes e, contudo, (in)dignos de pena.

Pena porque apesar de tudo dependem das mulheres.

Batem nas mulheres, humilham as mulheres, objectificam as mulheres, inferiorizam as mulheres... Mas não sabem viver sem as mulheres.

Sobrevivem à conta das mulheres.

Apesar da relação dos meus pais ser extremamente conturbada nunca quis que se separassem.

Queria a família unida, não queria ter de dividir a vida, escolher alguém, começar tudo de novo. Como faríamos no Natal, Ano Novo, festividades?

Nunca quis que se separassem também não por causa da minha mãe. Apesar de ela achar que nunca se safaria sozinha com 2 filhos, nunca acreditei nisso.
Ela é leoa demais para não se safar sozinha connosco.

Mas, no fundo, nunca quis que se separassem por pena do meu pai.

Para onde iria?
Para a terra?
Para os meus avós?
Quem cozinharia?
Como se alimentaria?
Ia viver sozinho?

Não, sempre achei que ele não se safaria sozinho.

O herói precisa da ajuda de alguém. 
Como ser herói sozinho?

Considero os homens inferiores às mulheres?
Talvez sim.

O que não é rigorosamente verdade.

Ninguém morre por se separar.
Ninguém morre por ser homem ou mulher.
Ninguém está sozinho por ser homem ou mulher.

Mas desde que me lembro que sou gente que tenho pena dele ficar sozinho.

A minha mãe sozinha? Pena nenhuma, ela safa-se espetacularmente bem.
O meu pai sozinho? Vai morrer sozinho.

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