Sobreviver

Quase 39 anos e quase 2 anos a sobreviver (fora os outros 37).

Dizem-me que a dor não é demasiado profunda porque se fosse já me teria mexido.

Acordo cansada, mesmo tendo dormido.

Acordo sem vontade.

Acordo com sono, mesmo tendo dormido bastantes horas seguidas.

Sair à rua, passear, apanhar sol.

Com que objectivo?

Sinto-me na mesma.

Só.

Só, mesmo acompanhada.

Quero falar, quero desabafar, quero gritar, quero espernear, quero dizer tudo o que está entalado, quero ficar chateada, irritada, possessa, furibunda, histérica.

Não sinto que possa.

Mesmo em casa que é onde nós deveríamos sentir à vontade.

Não posso porque me rejeitam, porque não posso ser assim, porque não tenho o direito de me sentir assim.

Só me posso sentir bem.

Feliz.

Em paz.

Não me sinto em paz.

Sinto-me parada com um sorriso no rosto para que a família se sinta bem.

Não sabem.

Não conseguem lidar com a tristeza.

Com a raiva.

Com o ódio.

Não sabem.

E eu também não sei lidar.

Deixo-me estar.

Dizem-me que a dor não é demasiado profunda.

Tu também sobrevives.

Estamos os 2 cansados.

Eu não te consigo ver.

Tu não me consegues ver.

Eu preciso de ti e tu precisas de mim. Para quê?

Companhia? Amor? Amizade?

Mas se tu não podes dizer nada que logo me irrito e eu não posso dizer nada porque não gostas.

Amor? Companhia? Amizade?

Mas se o mínimo da amizade é sermos abertos e podermos dizer tudo sem que sejamos rejeitados...

Nem amigos somos?

Sinto-me cansada, triste e irritada com a vida, não te consigo ver.

Tu não me consegues ver.

Dos olhos saem água (como disseste).

Mas dizem-me que a dor não é demasiado profunda se não já me teria mexido.

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