Egoísta

Disse tantas vezes, de mim para mim, que era egoísta, que houve alguém que materializou isso.

Chamou-me egoísta.

E foda-se.

Não gostei.

Chamaram-me de egoísta na única vez que disse que ia fazer uma coisa para mim.

Que a bem da verdade nem é só para mim, é para mim e para a bebé.

Nem para ser egoísta sou boa porque faço em prol dos outros.

Eu sabia que a discussão ia descambar. Eu sabia que não era tão grave assim. Eu sabia que chegando a esse dia ia correr tudo bem.

Mas descambou.

Eu tentei voltar atrás.

Mas chamaram-me de egoísta.

Sim, estou armada em vítima e vou continuar até ao fim do texto.

Saem às horas que querem. Chegam às horas que querem. Almoçam, jantam quando querem. Vão onde querem. Fazem o que querem. 

Bebés a chorar? Não querem saber, os compromissos são mais importantes. Saem.

Engraçado, que comigo, para sair a horas é um cabo dos trabalhos, mas para as suas coisinhas já tem de sair a horas.

Continuando.

Agora, no único dia que eu preciso de um carro, porque também eu tenho um compromisso, não dá.

Quer dizer, dá, mas tenho de andar a toque de caixa do outro, tenho de andar ao ritmo do outro, às horas do outro, ao tempo do outro.

No único dia em que não quero pensar em horas, quando saio, quando chego, o que faço, ou seja, ser livre.... Tenho de coordenar as horas com a outra pessoa porque a outra pessoa não se digna a ir de transportes ou a desenrascar-se de outra maneira.

E eu é que sou a egoísta.

Custa-lhe muito andar de transportes, coitadinho.

Mas eu tenho de andar com um bebé atrás quer queira quer não queira.

Ah, espera, lembrei-me. Tenho de coordenar as minhas horas do meu compromisso porque o outro tem um compromisso também e para ele cumprir tenho eu de falhar, novamente.

E eu é que sou a egoísta.

No dia seguinte, eu percebi, quis-me ajudar numa tarefa. Mas o ter feito essa tarefa fez com que eu não tomasse banho, não tratasse da minha higiene pessoal, que é só o básico dos básicos... Já nem considero fazer nada muito profundo, do género, cortar as minhas unhas.

Quis-me ajudar, mas ao ajudar, fez-me tornar ainda mais invisível.

Ainda mais incompetente.

Incompetente, estúpida e egoísta.

Não olhei por mim, não olhei para mim, ajudei-o.

E eu é que sou a egoísta.

Sou tão egoísta e invisível até para mim própria que pela terceira vez me esqueço de ver quando a menstruação chega.

Chegou e sujei-me toda.

Novamente.

Claro.

Não tomo conta.

Não tomo conta de mim.

Egoísta.

Sou mesmo egoísta.

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