Vergonha - parte 1
Definição de vergonha:
vergonha
ver·go·nha |ô|
(latim verecundia, -ae)
1. Pudor; pejo.
2. Opróbrio.
3. Rubor das faces causado pelo pejo.
4. Timidez; embaraço; acanhamento.
5. Receio de desonra.
"vergonha", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/vergonha [consultado em 14-08-2022].
Tenho muito a falar sobre a vergonha.
Toda a minha vida foi pautada pela vergonha.
Vergonha de mim, vergonha do meu corpo, vergonho do que faço ou deixo de fazer.
Mas agora quero falar de vergonha externa.
Sempre tive vergonha da minha mãe.
Não sei explicar porquê.
Desde que me lembro que tenho vergonha dela.
A minha mãe sempre me disse, ou sempre me incutiu, de que nunca a ouvia.
Não sei se é bem verdade, nunca o saberei a não ser que faça uma regressão à minha infância e mesmo assim é a minha perspectiva.
NOTA: Aqui fica uma nota mental, fazer uma regressão à minha infância, para rever a minha perspectiva e perceber, e talvez compreender, a perspectiva dos meus pais.
Do que é que eu tinha vergonha?
Da maneira de falar dela.
Da forma como se vangloriava do que fazia e os outros não.
Ela sempre foi a sacrificada, todos tinham inveja dela, dos filhos dela, do marido dela.
Pensando bem, sempre tive vergonha dos meus pais, dos dois, mas mais da minha mãe.
Eles sempre acharam que todos tinham inveja deles, do dinheiro deles, dos bens materiais deles, do que faziam, dos sacrifícios que faziam, da forma como poupavam, do que não faziam.
"Não vamos a cafés nem a restaurantes, pouco saímos porque não sabemos o dia de amanhã. Os outros gastam dinheiro em cafés e cigarros e depois não têm dinheiro se for preciso para a saúde ou não têm dinheiro para comprar uma casa".
Mas sempre que eu ia a casa de outras pessoas pareciam-me sempre mais felizes, mais abertos, mais libertos.
Verdade seja dita que eu sempre achei que os outros (pais) eram melhores do que nós (os meus).
Não sei explicar o porquê.
Gostava de perceber o porquê.
A minha mãe sempre me disse que eu nunca ligava ao que eles diziam, e o que os irritava mais era de que quando os outros diziam uma coisa (igual a eles) eu acreditava plenamente.
O mesmo acontece hoje em dia com o meu companheiro ou, em verdade, com todos os muito próximos que me rodeia.
Se alguém muito próximo me contar algo eu não acredito, contudo, se for um estranho ou um conhecido, eu acredito plenamente.
Porquê?
Já percebi que até poderá ser mais antigo do que penso, mas, retornando à minha infância.
Vergonha.
Porque é que eu hei-de acreditar numa pessoa se eu tenho vergonha dela?
Se eu não acredito em nada do que ela diz?
É por terem existido várias incoerências da parte dela e eu não sei se hei-de confiar?
É por não nos ter defendido?
É por achar que nunca fui muito importante então eu também não dou importância?
É por ela não me achar perfeita então eu não acho que ela seja perfeita?
Falta de confiança?
Não confiar?
Eu quero mostrar ao meu bebé que para ele estar bem eu preciso estar bem, então eu tenho de me pôr em primeiro lugar.
Mas não foi isso que a minha mãe fez?
Ela colocou-se em primeiro lugar e eu nunca me senti importante.
Só que ela colocou-se em primeiro lugar na vitimização, no sacrifício, no medo, nas aparências.
Eu quero colocar-me em primeiro lugar pela positiva, pela coragem, o fazer as coisas por mim própria, para mim própria.
A minha mãe nunca fez nada do que gostava.
Queria ter estudado mais, queria ter feito mais actividades, queria ir mais além.
E nunca a deixaram.
Não a deixaram ou ela também não fez porque não quis, porque não teve coragem?
Sempre limitada.
Trabalhou em 1001 coisas mas não ficava em nenhuma.
Havia sempre alguma coisa, algum defeito, ou era por causa do meu pai, ou era por causa de nós.
Mas o que é que acontecia se ela se impusesse ao meu pai?
Violência já havia. Haveria mais?
Dizia a minha mãe "para onde é que nós vamos se a gente se separar?".
Onde calhasse.
A minha mãe nunca teve problemas em trabalhar, em ganhar dinheiro, mas tinha medo de ficar sozinha com dois filhos.
O que é que os outros vão dizer?
Olha aquela mãe separada e os filhos passam necessidades.
E ficávamos ali a viver o dia a dia, com planos no futuro mas sempre com medo.
Medo da separação.
Medo do abandono.
Medo de quando seria a próxima discussão e durante quanto tempo iria durar.
Quantas semanas iriam ficar sem falar.
Como iriam ser as férias, os aniversários, as festividades.
Havia sempre alguma discussão.
E eu tinha vergonha disso tudo.
Porque é que os meus pais não podiam ser como as outras pessoas?
Porque é que não podiam ser como os outros pais?
Porque é que não podia haver calma, tranquilidade, saber com o que é que contava.
A minha mãe achava-se a maior e quanto maior se achava mais vergonha eu tinha.
Ainda hoje sinto vergonha.
Porque é que falas assim? Porque é que ages assim? Porque é que fazes assado?
Vejo agora que pareço o meu pai a falar.
Sim, parece que o meu pai também tem vergonha da minha mãe.
A minha mãe não aceita o meu pai como ele é e como eu sou uma parte do meu pai, eu também me sinto rejeitada, se me sinto rejeitada, vou agir em revolta como o meu pai contra a minha mãe.
Quando é que sou eu verdadeiramente?
Quando é que deixo de agir em função das outras pessoas?
Quando é que deixo de ser outras pessoas?
Eu sei que sou um conjunto de características mas parece que sou outras pessoas.
Não sou eu.
Eu faço uma coisa porque vivi em funcão de qualquer coisa, eu faço outra coisa porque vi uma pessoa a fazer essa coisa, eu vivo revoltada com coisas que não são minhas porque outras pessoas me impingem essas suas revoltas.
Quando é que sou eu?
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