Espaço

É tão estranho estar dos dois lados da barricada.
Ver os dois lados da moeda.
Perceber que sou uma cara e uma coroa.

Quando era miúda, passava muito tempo em casa com os meus pais, principalmente com a minha mãe.
(Eu passava o dia todo com a minha mãe).
Recordo-me de passar tanto tempo com eles que ficava farta deles.
(Ainda hoje é assim, diga-se de passagem, consigo estar curtos espaços de tempo com eles, eles são muito intensos).
A minha única hora de liberdade era quando eles iam ao Continente.
Levavam o meu irmão, ele trazia sempre um brinquedo qualquer para ele, e para mim nada (mas isso é outra história), e eu ficava sozinha.

Sozinha em casa.

A liberdade.

Punha música, via televisão.

Não que houvesse muito para fazer, mas estava livre de pessoas.

O silêncio.

Claro que era miúda adolescente e passado umas 2h já me começava a doer a barriga dos nervos pelo facto deles nunca mais chegarem a casa.

E hoje com o meu bebé tenho dificuldade em deixá-lo muito tempo sozinho.

Quero e não quero deixá-lo nos avós ou na creche.

Quero e não quero ter tempo e espaço para mim.

Mas, por outro lado, é como se me sentisse na obrigação de ter que ficar com o bebé 24h por dia.

Se não era para ter filhos 24h por dia, então não tinha filhos.

Se não tinha total disponibilidade para eles, então não valeria a pena ter filhos.

Para quê ter filhos se é para estarem noutro sítio com outras pessoas que não comigo?

Se sou mãe sou obrigada a sentir-me bem em estar com eles o tempo todo.

É como se eu estivesse a delegar o meu papel de mãe a outras pessoas.

Perdida por 100, perdida por 1000.

Se não é para ter um bebé comigo a 100% é porque estou a ser má mãe.

Mas de onde vem esta crença?

Se eu como filha o que eu queria era estar longe dos meus pais, ou, pelo menos, estar algum tempo afastada para ser eu, porque é que como mãe não acho que o meu bebé precise do mesmo?

Ao deixá-lo na creche ou com outras pessoas tenho a sensação de que o estou a abandonar.

Mas não estou, mas estou com essa crença que não sei bem de onde vem.

Porque é que acho que o meu bebé não quer liberdade.

Estou a querer prendê-lo a mim tal como os meus pais fizeram comigo.

Eu não quero que ele se sinta assim.

Quero que ele tenha liberdade mas que saiba que tem sempre um porto seguro para onde voltar.

Não importa em que condições ele regressa, se está em bons dias ou não, se se sente confiante ou não, se se sente mal ou não.

Eu quero que ele saiba que estou sempre aqui.

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