Reconhecer-te
Quando te fui buscar à creche tive um medo.
Algo que nunca tinha sentido mas que tive a sensação de que esteve sempre cá dentro.
"Será que te vou reconhecer no meio de tantos bebés?"
Se vocês são todos iguais, como é que eu te vejo?
Se eu não me lembro exactamente da tua cara, de todos os teus pormenores, será que eu vou saber que és tu quem vou trazer para casa?
Sim, eu reconheci-te porque estavas virada para a porta.
Olhaste para mim e parecíamos dois estranhos a olhar um para o outro.
Será que me reconheceste?
Foi necessário um segundo de reconhecimento de ambas as partes.
Um segundo, não foi imediato.
Não foi instantâneo.
Não era suposto corrermos para os braços um do outro de tantas saudades que tínhamos?
Sentiste saudades minhas?
É triste dizer que eu não tive assim tantas saudades?
Tenho tanta fome de liberdade, só que agora sinto-me no limbo.
Quero ter as minhas actividades, não digo voltar ao que era porque já sei que é impossível, mas voltar a ter uma vida fora de filhos, mas agora tenho umas horas livre e não me sinto livre.
Sinto-me triste.
Como me podes reconhecer se eu própria tenho dificuldade em reconhecer-te como meu filho?
Não me reconheço como mãe.
Neste momento não me reconheço.
Reconheço-me como um nada.
Já não sou a pessoa de antigamente mas não sei o que sou agora.
Tantas, talvez todas, mães que englobam os filhos nas suas vidas, vão para todo o lado com eles, fazem tudo com eles.
Eu sinto-te como um empecilho.
Queria ter-te junto a mim, mas deixo de ser eu.
Queria levar-te a todo o lado comigo mas queria estar e fazer coisas sozinha.
Até agora não consegui fazer nenhuma das duas coisas.
Nem consigo estar plenamente sozinha a fazer o que sempre quis fazer porque estás sempre no meu pensamento, nem consigo estar plenamente contigo porque estou sempre a pensar no que podia estar a fazer sem ti e não faço.
Não me sinto feliz sozinha sem ti mas também não me sinto feliz contigo junto a mim.
Reconheço e aceito que não me sinto feliz.
Sinto e reconheço que não me sinto feliz há bastante tempo.
Já se estão a passar dois anos nisto.
Já não chega?
Já estou farta de aceitar os meus sentimentos e emoções.
Já não os estou a reprimir, estou a mostrá-los, não estou a colocá-los para debaixo do tapete.
Sinto-os todos nesta amargura e altivez.
Falta agir em relação a.
Mas sinto que estou a saltar um passo.
Entre o aceitar e o agir falta saber o porquê de me sentir assim.
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